quinta-feira, 7 de maio de 2009

De que forma podemos nós dar a volta ao destino?


Photo © Helena Simões da Costa 2013

Vamos dar a volta ao destino: filosofando, tocando, pintando, poetando, ensinando e aprendendo, amando,... e vamos também deixá-lo guiar-nos: preferindo, desdenhando...
"«A nossa vida» está alojada, ancorada no instante presente. Mas – o que é a minha vida neste instante? Não é dizer o que estou a dizer; o que eu vivo neste instante não é mover os lábios; isso é mecânico, está fora da minha vida, pertence ao ser cósmico. É, pelo contrário, estar eu a pensar o que vou dizer; neste instante estou a antecipar-me, projecto-me no futuro. Mas para o dizer preciso de empregar certos meios – palavras – e isto proporciona-me o meu passado. O meu futuro, pois, faz-me descobrir o meu passado, para realizar-se. O passado é agora real porque o revivo, e quando encontro no meu passado os meios para realizar o meu futuro é quando descubro o meu presente. E tudo isto acontece num instante; em cada instante a vida dilata-se nas três dimensões do tempo real interior. O futuro repele-me para o passado, este para o presente, daqui vou outra vez para o futuro, que me atira para o passado, e este a outro presente, num eterno girar.
Estamos ancorados no presente cósmico, que é como o solo que os nossos pés pisam, enquanto o corpo e a cabeça se estendem para o porvir. Tinha razão o cardeal Nicolau de Cusa quando na madrugada do Renascimento, dizia: Ita nunc sive praesens complicat tempus. O agora ou presente inclui todo o tempo: o já, o antes e o depois.
Vivemos no presente, no instante actual, mas não existe primariamente para nós, posto que a partir dele, como de um solo, vivemos assim o imediato futuro.
Reparem que de todos os pontos da terra o único de que não podemos aperceber-nos directamente é aquele que em cada caso temos sob os nossos pés.
Antes que vejamos o que nos rodeia somos já um feixe original de desejos, de anseios e de ilusões. Vimos ao mundo, sem dúvida, dotados de uma sistema de preferências e desdéns, mais ou menos coincidentes com o próximo, que cada qual leva dentro de si armado e pronto a disparar a favor de ou contra cada coisa, como uma bateria de simpatias e repulsas. O coração, máquina incansável de preferir e desdenhar, é o suporte da nossa personalidade.
(...) Não desejamos uma coisa por a termos visto antes, mas ao contrário: porque já no nosso fundo preferíamos aquele género de coisas, vamo-las buscando com os nossos sentidos pelo mundo. Dos ruídos que em cada instante nos chegam e materialmente poderíamos ouvir, só ouvimos, na verdade, aqueles a que damos atenção; (...) ao escutar um som que nos interessa não ouvimos energicamente todos os restantes. Todo o ver é um olhar, todo o ouvir é, ao fim e ao cabo, um escutar, todo o viver um incessante, original preferir e desdenhar. (...)
A esta extrema medida e até este ponto é o viver humano constante antecipação e pré-formação do futuro. Somos sempre muito perspicazes para aquelas coisas em que se realizam as qualidades que preferimos, e, pelo contrário, somos cegos para perceber as que restam, (...). O porvir é sempre o capitão, o Doge; presente e pretérito são sempre soldados e ajudantes-de-campo. Vivemos a avançar no nosso futuro, apoiados no presente, enquanto o passado, sempre fiel, vai ao nosso lado, um pouco triste, um pouco inválido, como ao fazer o caminho na noite, a lua, passo a passo, nos acompanha apoiando no nosso ombro a sua pálida amizade.
Numa boa ordem psicológica, pois, o decisivo não é a soma daquilo que fomos, mas do que ansiamos ser: os impulsos, o anseio, a ilusão, o desejo. A nossa vida, quer queiramos quer não, é na sua essência mesma futurismo.
(...) O presente em que se resume e condensa o passado – o passado individual e histórico – é, pois, a porção de fatalidade que intervém na nossa vida (...). Só que essa armadilha não sufoca, deixa uma margem de decisão para a vida e permite sempre que da situação imposta, do destino dêmos uma solução elegante e forjemos para nós uma vida bela. (...) [A vida] está constituída de um lado pela fatalidade, mas de outro pela necessária liberdade de decidirmos frente a ela, (...) e nada a simboliza melhor que a situação do poeta que apoia na fatalidade da rima e do ritmo a elástica liberdade do seu lirismo. Toda a arte implica a aceitação de um freio, de um destino, e como Nietzsche dizia: «O artista é o homem que dança acorrentado». A fatalidade que é o presente não é uma desgraça, mas uma delícia, é a delícia que sente o cinzel ao encontrar a resistência do mármore.
(...) a beleza da vida está precisamente não em que o destino nos seja favorável ou adverso – já que sempre é destino – , mas na gentileza com que o enfrentemos e talhemos da sua matéria fatal um figura nobre."
Ortega y Gasset in "O que é a Filosofia?"

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Rabindranath Tagore



Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e aguentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
 
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz

Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.


Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão

Em flores por todos os recantos da minha floresta.


Rabindranath Tagore


"Lisboa" photo by Helena S. Costa