terça-feira, 3 de novembro de 2015

Helena Simões da Costa Fotografia

Conceito  e  Imagem



‘Conceito e Imagem’ é um projecto fotográfico, filosófico, poético e pictórico. Apesar deste projecto ser um estudo não deixa de ter a pretensão de dar a ver a relação que existe entre a imagem (na fotografia e na pintura) e o conceito (na filosofia e na poesia) e da interpenetração que existe entre ambos aquando a sua criação.


Se uma imagem não ‘fala’ totalmente por si, um conceito sem imagens também não se expressa de forma clara. Fala-se de imagem como representação. Temos o exemplo do cego que na compreensão do conceito cria imagens ou representações que o permitem mergulhar mais fundo na linguagem e criar outras perspectivas: alargar o seu campo de “visão”. Se um fotógrafo ou um pintor quando produzem uma imagem estão a criar novas perspectivas, i.e., a alargar os seus campos de visão, do mesmo modo, também um cego é, digamos assim, um criador de relações entre as coisas. Somos criadores de sentido. Tal como os cegos aqueles que vêem, não vêem as coisas tal como elas são, mas acrescentam camadas (de sentido) às coisas, de uma forma ou de outra. Apesar desta criação de relações entre as coisas (ou situações) ser um esforço intelectual, estas camadas de sentido são sempre guiadas pelos sentidos estético e ético. Alguém que fotografa tendo em conta a criação de um sentido e a sua comunicação, e não apenas a captação de um instante para mais tarde recordar, está a mexer com a linha do tempo, a criar a sua própria linha temporal de um tempo paralelo mas distinto daquele que surge numa mera captação do olhar.

George Sand dizia que "a vocação do artista é lançar luz sobre a alma humana.", sendo esta uma visão fora da linha temporal habitual que pode lançar uma nova luz, dar um outro sentido, em relação àquilo que é o plano habitual de percepção em que não existe um desnivelamento do real. O trabalho do artista é cinzelar o seu conceito e a sua imagem, que, posteriormente fundidos, são apresentados ao mundo. A mudança de plano (do plano habitual para o plano da criação) acontece quando aquilo que se pensa faz criar uma imagem, e quando essa imagem faz pensar de maneira diferente do habitual. Se por um lado, a imagem (fotográfica, poética e pictórica) depende do conceito para ser criada, por outro lado, esta mesma imagem permite criar um novo conceito estético e ético. «Diz-me o que “vês” (lês, escutas, …) e eu dir-te-ei quem és.»


As fotografias presentes neste projecto são, na íntegra, da minha autoria. Os textos e as frases associadas às imagens são meus e também de outros/as autores/as.



 Helena   Simões  da  Costa


O meu trabalho está aqui: Helena Simões da Costa Photography 2015

Anjo Combatente, Photo credits: Helena Simões da Costa © 2015

segunda-feira, 31 de março de 2014

Poema: "A carta de navegação"


"Não preciso de um homem que faça meteorologia de pacotilha.
Mas que, mesmo com medo, se faça ao mar revolto que eu sou.


Queres sentir o vento? Entra – é em mim que ele se manifesta.
Eu sou o vento e se precisares faço-te um desenho na areia.


Os astros e os meus lábios dizem que a navegação é em frente.
Tens fome só de mim e não sabes?


Assina: o teu clima."


Helena S. Costa ©
Photo: (?)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Exercício Poético

Enquanto as burras velhas tentam defraudar a palavra "porvir" para atrairem velhos tolos, há quem faça Poesia para Deus ler de olhos fechados. As burras velhas nem percebem que as histórias futuras estão, desde sempre, completamente entranhadas de e no passado.
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Poema

"Se fizermos uma analogia entre
As mulheres e a pluviosidade
Podemos dizer que há:

As mulheres que brilham sozinhas sem rebanhos
Associadas às grandes chuvas tempestuosas
Aquelas que fazem crescer os rios;

E as intrujonas (neste poema, sinónimo de putas)
Associadas à chuva molha parvos
Aquelas que são acessórias à existência e
Que tornam fétido e pobre o caudal de qualquer rio."

Helena Simões da Costa ©

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A sombra que lança luz... Píndaro (518 a.C.)


"Com o tempo, a violência abate o orgulhoso.
Não lhe escapou Tifeu, o cilício de cem cabeças nem
decerto o rei dos Gigantes. Ambos foram dominados; um pelo
relâmpago e o outro pelo arco e as flechas de Apolo.
Aristómenes recebeu com disposição benevolente o filho de 
Xenarco , que em Cirra foi coroado com os ramos do Parnasso
e o cortejo dórico.

A ilha, com a cidade da Justiça, não anda longe das Graças, 
pois tem em si os feitos famosos dos filhos de Éaco; desde 
o princípio adquiriu respeito e consideração.
Em primeiro lugar, ela é cantada por ter criado heróis
supremos nos jogos e em combates velozes que trazem
a vitória.

Mas ela distingue-se sobretudo pelos seus homens. 
Falta-me tempo para entregar à lira a longa história e ao 
suave som da voz humana; para que o aborrecimento não
sobrevenha.
O que corre junto dos meus pés é a dívida para contigo, meu
rapaz, o teu último feito esplendoroso deve ganhar asas graças
à minha arte.

(…)

Tu que existes exposto ao que os dias te trazem, o que é ser 
Alguém? O que é não ser Ninguém? O humano é o sonho de 
uma sombra.
Mas quando chega o esplendor dispensado por um deus, há
uma luz brilhante entre os homens e a vida torna-se doce.
Egina, mãe querida, acompanha esta cidade no seu dia de
liberdade, com Zeus e o senhor Éaco e Peleu e Télamon,
homem de bem, e Aquiles!"

Píndaro, Ode VII

sábado, 7 de julho de 2012

Bright Star * John Keats



"Bright Star"

"Bright star, would I were stedfast as thou art –
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors –
No – yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever-- or else swoon to death."
John Keats (1819)
*
"Estrela Brilhante"
"Estrela brilhante, fosse eu constante como tu –
Não em esplendor solitário suspenso no alto da noite
E contemplando, com as eternas pálpebras entreabertas,
Como natureza paciente, Eremita vigilante,
As águas em movimento na sua missão sagrada
De pura ablução nas margens humanas da terra,
Ou contemplando a suave queda da renovada máscara
De neve sobre as montanhas e as charnecas –
Não – mas, sempre constante, sempre imutável,
Atravessada no maduro peito do meu leal amor,
Para sentir para sempre o seu pulsar
Desperta para sempre num doce desassossego
Porém, quieta para eu escutar a sua terna respiração,
E assim viver para sempre – ou então mergulhar na morte."
(tradução minha - Helena Simões da Costa)

sábado, 16 de abril de 2011

A Felicidade não é um sossego...

 
"Trata-se de passar da esperança da felicidade [que entorpece e faz estagnar] ao amor da vida, ainda que a vida não seja sempre amável. Porque havia de ser? Não é o valor da vida que justifica o amor que nutrimos por ela, mas, pelo contrário, o amor que nutrimos por ela que dá valor à vida. (...) Enquanto a vida aí está, enquanto há pura atenção (e já não espera), não há vazio, pois a vida é por si mesma auto-experiência de si (...). Ser feliz sem esperar quer dizer, entre outras coisas, sem esperar ser sábio. (...) A vida é mais preciosa do que a filosofia, e uma verdadeira felicidade, mesmo imperfeita como é toda a felicidade, vale mais do que uma felicidade ideal, que é apenas um mito ou uma mentira. (...) Deixemos de desejar ardentemente a felicidade. (...) A felicidade não é o fim do caminho, mas o próprio caminho. (...) A felicidade não é um sossego. (...) A felicidade não está no ser nem no ter. Está na acção, no prazer e no amor."
in "A mais bela história da felicidade", A. Comte-Sponville, J. Delumeau, A. Farge, Texto & Grafia, 2009.
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Ver também:
"Ithaca" Poem by Konstantínos Kavafis (29 de Abril de 1863 - 29 de Abril de 1933)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

De que forma podemos nós dar a volta ao destino?


Photo © Helena Simões da Costa 2013

Vamos dar a volta ao destino: filosofando, tocando, pintando, poetando, ensinando e aprendendo, amando,... e vamos também deixá-lo guiar-nos: preferindo, desdenhando...
"«A nossa vida» está alojada, ancorada no instante presente. Mas – o que é a minha vida neste instante? Não é dizer o que estou a dizer; o que eu vivo neste instante não é mover os lábios; isso é mecânico, está fora da minha vida, pertence ao ser cósmico. É, pelo contrário, estar eu a pensar o que vou dizer; neste instante estou a antecipar-me, projecto-me no futuro. Mas para o dizer preciso de empregar certos meios – palavras – e isto proporciona-me o meu passado. O meu futuro, pois, faz-me descobrir o meu passado, para realizar-se. O passado é agora real porque o revivo, e quando encontro no meu passado os meios para realizar o meu futuro é quando descubro o meu presente. E tudo isto acontece num instante; em cada instante a vida dilata-se nas três dimensões do tempo real interior. O futuro repele-me para o passado, este para o presente, daqui vou outra vez para o futuro, que me atira para o passado, e este a outro presente, num eterno girar.
Estamos ancorados no presente cósmico, que é como o solo que os nossos pés pisam, enquanto o corpo e a cabeça se estendem para o porvir. Tinha razão o cardeal Nicolau de Cusa quando na madrugada do Renascimento, dizia: Ita nunc sive praesens complicat tempus. O agora ou presente inclui todo o tempo: o já, o antes e o depois.
Vivemos no presente, no instante actual, mas não existe primariamente para nós, posto que a partir dele, como de um solo, vivemos assim o imediato futuro.
Reparem que de todos os pontos da terra o único de que não podemos aperceber-nos directamente é aquele que em cada caso temos sob os nossos pés.
Antes que vejamos o que nos rodeia somos já um feixe original de desejos, de anseios e de ilusões. Vimos ao mundo, sem dúvida, dotados de uma sistema de preferências e desdéns, mais ou menos coincidentes com o próximo, que cada qual leva dentro de si armado e pronto a disparar a favor de ou contra cada coisa, como uma bateria de simpatias e repulsas. O coração, máquina incansável de preferir e desdenhar, é o suporte da nossa personalidade.
(...) Não desejamos uma coisa por a termos visto antes, mas ao contrário: porque já no nosso fundo preferíamos aquele género de coisas, vamo-las buscando com os nossos sentidos pelo mundo. Dos ruídos que em cada instante nos chegam e materialmente poderíamos ouvir, só ouvimos, na verdade, aqueles a que damos atenção; (...) ao escutar um som que nos interessa não ouvimos energicamente todos os restantes. Todo o ver é um olhar, todo o ouvir é, ao fim e ao cabo, um escutar, todo o viver um incessante, original preferir e desdenhar. (...)
A esta extrema medida e até este ponto é o viver humano constante antecipação e pré-formação do futuro. Somos sempre muito perspicazes para aquelas coisas em que se realizam as qualidades que preferimos, e, pelo contrário, somos cegos para perceber as que restam, (...). O porvir é sempre o capitão, o Doge; presente e pretérito são sempre soldados e ajudantes-de-campo. Vivemos a avançar no nosso futuro, apoiados no presente, enquanto o passado, sempre fiel, vai ao nosso lado, um pouco triste, um pouco inválido, como ao fazer o caminho na noite, a lua, passo a passo, nos acompanha apoiando no nosso ombro a sua pálida amizade.
Numa boa ordem psicológica, pois, o decisivo não é a soma daquilo que fomos, mas do que ansiamos ser: os impulsos, o anseio, a ilusão, o desejo. A nossa vida, quer queiramos quer não, é na sua essência mesma futurismo.
(...) O presente em que se resume e condensa o passado – o passado individual e histórico – é, pois, a porção de fatalidade que intervém na nossa vida (...). Só que essa armadilha não sufoca, deixa uma margem de decisão para a vida e permite sempre que da situação imposta, do destino dêmos uma solução elegante e forjemos para nós uma vida bela. (...) [A vida] está constituída de um lado pela fatalidade, mas de outro pela necessária liberdade de decidirmos frente a ela, (...) e nada a simboliza melhor que a situação do poeta que apoia na fatalidade da rima e do ritmo a elástica liberdade do seu lirismo. Toda a arte implica a aceitação de um freio, de um destino, e como Nietzsche dizia: «O artista é o homem que dança acorrentado». A fatalidade que é o presente não é uma desgraça, mas uma delícia, é a delícia que sente o cinzel ao encontrar a resistência do mármore.
(...) a beleza da vida está precisamente não em que o destino nos seja favorável ou adverso – já que sempre é destino – , mas na gentileza com que o enfrentemos e talhemos da sua matéria fatal um figura nobre."
Ortega y Gasset in "O que é a Filosofia?"

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Rabindranath Tagore



Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e aguentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
 
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz

Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.


Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão

Em flores por todos os recantos da minha floresta.


Rabindranath Tagore


"Lisboa" photo by Helena S. Costa

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O Caleidoscópico Pessoa




Tudo, desde ermos astros afastados 
A nós, nos dá o mundo. 
E a tudo, alheios, nos acrescentamos, 
Pensando e interpretando. 
A próxima erva a que não chega basta, 
O que há é o melhor.
 
* *
In Odes de Ricardo Reis






(O retrato de Fernando Pessoa à esquerda por João Luiz Roth)